sábado, 14 de abril de 2012

O Dia dos Índios e questões indígenas



Antônio Wanderley de Melo Corrêa*

       No dia 19 de abril de 1940 teve início, no México, o I Congresso Indigenista Interamericano, sendo o representante brasileiro o antropólogo Edgar Roquette Pinto.
            Por intervenção do marechal Rondon, o presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto 5.540 de 02 de junho de 1943, determinando como o “Dia do Índio” a data de abertura daquele evento. A partir de então, os brasileiros, não-índios, passaram a comemorar a cada ano, em 19 de abril, o dia dos povos nativos do que hoje denominamos Brasil.
            A grande maioria dos grupos indígenas do Brasil não comemora o “Dia do Índio”. No entanto, a data se constitui em uma oportunidade para reivindicações, além de um momento para reconhecimento dos mesmos diante da sociedade nacional.
            Uso “os índios” e não “o índio”, pelo fato de existirem muitas etnias, cada grupo com suas especificidades físicas, históricas e culturais. Do ponto de vista antropológico é uma aberração o entendimento de que “índio é tudo igual”.
            No passado, o Brasil e a América pertenciam a eles. Após séculos de colonização, invasões, genocídios e etnocídios, a nação brasileira é fato consumado na trajetória histórica, além de reconhecida insofismavelmente interna e externamente.
            Os índios que sobreviveram, e vivem no território nacional, são integrantes da nação, são brasileiros, com direitos específicos e também sujeitos a deveres. Mesmo que alguns indigenistas e lideranças tribais pensem diferente, os índios estão sobre a tutela do Estado brasileiro, como determina a Constituição Federal.
Nos últimos anos, a questão das reservas indígenas ganhou grande espaço na comunicação social, em função da disputa jurídica no STF entre índios e fazendeiros do norte de Roraima. Um caso polêmico por implicar na retirada dos fazendeiros (arrozeiros) da área a ser demarcada e por a mesma ser localizada junto a uma fronteira internacional.
Sobre o tema Reservas Indígenas, vejamos o que diz o Artigo 231 da Constituição Federal: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Os parágrafos 2º, 3º e 4º do mesmo Artigo Constitucional tratam dos interesses dos grupos indígenas e a soberania nacionais: “2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes; 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei; 4º - As terras (...) são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.
            Sobre a questão da preservação das culturas dos povos indígenas, inicialmente vale a compreensão que etnocídio e aculturação não são a mesma coisa. O primeiro é a destruição da cultura de um povo pela imposição de uma outra, como sofreram os povos indígenas do Brasil e da América. Enquanto aculturação é troca e convivência recíproca entre culturas diferentes e não a supremacia de uma cultura sobre a outra. Mas a assimilação da cultura nacional pelos povos indígenas é um processo lento e inevitável, em função da sua presença avassaladora sobre eles.
Assim, os povos indígenas da América e do Brasil, em contato com as sociedades coloniais e nacionais, sofreram etnocídio e hoje sofrem uma aculturação desigual, no que se refere à troca. A assimilação da cultura nacional é fato praticamente irreversível, principalmente a cultura urbana, no que existe de bom e ruim, necessário e supérfluo: uso de roupas, hábitos alimentares, práticas esportivas, televisão e internet, vícios, apego ao dinheiro, além de crenças, o idioma e formas de organização social.
O outro lado da moeda é observado: grupos indígenas se transformando em comunidades pobres, desassistidas e sem identidade. Ou dispersos na busca de trabalho, de uma vida melhor e dos atrativos das luzes da cidade grande.
É oportuno lembrar a contrapartida, o quanto a cultura brasileira é permeada vigorosamente pelas influências indígenas, nos modos de falar e no uso de inúmeros vocábulos, nas denominações de localidades e ocorrências naturais, no artesanato, nas técnicas de produção no campo, na culinária, nos hábitos de higiene do corpo (banhos diários), nas artes e nas incontáveis manifestações do folclore.
Diversos grupos indígenas brasileiros promovem em suas aldeias, a recuperação dos hábitos e tradições originais, como forma de fortaleceram suas identidades e serem assimilados pela sociedade nacional como índios.
Quanto à atuação de ONGs e missionários junto a grupos indígenas, existem trabalhos com convicções e objetivos sinceros e meritórios, entretanto, há nesse universo, propósitos escusos, contrários aos interesses e a soberania nacionais, a exemplo de biopirataria, disseminação de idéias de não pertencimento e de completa autonomia. Nessa questão é preciso evitar opiniões e atitudes extremas, generalizando o contra ou o a favor. Jogar todos na vala comum é injustiça e insensatez, e entender que tudo é idílio e boas intenções é ingenuidade ou cumplicidade.  
A FUNAI, que é o órgão do Governo Federal com a tarefa de proteger a integridade dos grupos reconhecidos e auto-reconhecidos como índios, avançou consideravelmente na demarcação de terras indígenas e na assistência aos referidos grupos, integrada com outros Ministérios e órgãos públicos, inclusive dos estados. A FUNAI comemora o crescimento da população indígena, no território nacional, de 250 mil pessoas na década de 1980, para mais de um milhão na atualidade.
O 19 de abril é uma data comemorativa sobre os índios para a sociedade nacional. Mas, à revelia da data, os povos indígenas brasileiros vivenciam suas trajetórias históricas, há milênios e a dia após dia.

(*) Licenciado em História pela UFS e professor de História das redes públicas estadual (SEED) e municipal (SEMED/PMA).