sexta-feira, 16 de março de 2012

O Museu da Gente Sergipana*


Foto: Lícia Fábio


Francisco José Alves**

            Em novembro passado foi inaugurado, com a devida pompa e circunstância,o Museu da Gente Sergipana. A casa, conforme a publicidade, é um presente do Banco do Estado de Sergipe (BANESE) à população de Sergipe, quando o banco comemorou os seus cinqüenta anos.
            O projeto do Museu da Gente Sergipana é de autoria do celebrado especialista Marcello Dantas, o mesmo autor do Projeto do Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista.
            O Museu se abriga no edifício que originalmente sediou o Colégio Ateneu Sergipense, inaugurado 1911. A edificação foi caprichosamente restaurada, após anos de abandono, e voltou ao fulgor dos seus começos, há cem anos atrás.
            Seguindo o conselho bíblico de conhecer a árvore pelos frutos, visitemos o museu indagando que ideia ou propósito norteou os seus idealizadores. Que mensagem, implícita ou explicita, o museu transmite?
            Visitemos, pois, a casa da gente sergipana e interpretemos os seus signos.
            Comecemos pela nominação.
O nome do Museu tem inequívoca conotação popular, mas o seu conteúdo manifesta, no fundo, evidente predileção pelas elites. Essa dicotomia entre o nome e o conteúdo fica bastante claro em alguns aspectos. Caso exemplar ocorre no módulo dedicado às personalidades, alguns figurões da história de Sergipe. No ambiente, o visitante tem a oportunidade de visualizar fotografias de personalidades e pode até mesmo “ouvi-las”. O elenco ou panteão contempla políticos, intelectuais, artistas eruditos, mas não inclui nenhuma figura oriunda do povo, à exceção de Artur Bispo do Rosário, hoje artista mundialmente reconhecido. Assim, por exemplo, o Museu esquece uma figura como o poeta João Sapateiro de Laranjeiras, entre outras personagens da chamada cultura popular.
O hiato entre o rótulo e o conteúdo evidencia-se, sobretudo no módulo dedicado aos ecossistemas. Neles, são reproduzidos imagens e sons peculiares a cada um dos meios naturais existentes em Sergipe. O visitante experimenta, pela visão e audição, a sensação de estar nesses ambientes.
            No entanto, se a natureza é fartamente exaltada, falta o protagonista. Desta forma, no módulo, em nenhum momento, comparecem os tipos socioculturais que atuam nesses biomas. Temos o cenário, mas faltam os atores, os agentes humanos. Afinal o Museu é votado à gente sergipana. É de se perguntar: onde estão os catadores de caranguejo do litoral? As colhedoras de mangaba dos tabuleiros? Os vaqueiros do nosso semi-árido? Onde estão as ceramistas de Itabaianinha e de Santana do São Francisco? Onde estão as celebradas rendeiras de Sergipe? (o Museu expõe uma peça de renda, mas nada sobre as rendeiras). Estes tipos socioculturais, entre outros, estão ausentes do Museu da Gente Sergipana.
            Também não espere o visitante do Museu encontrar, nos domínios da Casa, nada que mostre os tipos humanos freqüentes em Sergipe. Falo daquilo que os geneticistas e biólogos batizam de fenótipo, ou seja, “conjunto de características do indivíduo determinadas pelo genótipo e pelas condições ambientais”. Embora não haja um homo sergipensis, todavia encontram-se em Sergipe certos tipos físicos que dão carne e osso a sua população, a sua gente. Assim sendo, é lastimável que o visitante do Museu (insisto) da Gente Sergipana nele nada encontre dos curibocas do litoral, dos negróides do vale do Cotinguiba, ou dos “galegos” do sertão. Afinal, a gente de Sergipe tem cara, a sua população não é amorfa ou indiferenciada. Os nossos fotógrafos de hoje têm documentado essa diversidade e, antes deles, Felte Bezerra escreveu obra fundamental sobre o assunto: Etnias Sergipanas. Mas o Museu se esqueceu deles.
             De fato, o povo, no Museu da Gente Sergipana, fica muito restrito ao “folclore” enquanto a ênfase recai sobre personalidades da elite Em princípio, nada contra um museu de figurões históricos como é o caso, por exemplo, do Palácio Museu Olímpio Campos e que centra o seu material nos governantes republicanos de Sergipe. O que incomoda é a flagrante contradição entre o rótulo e o conteúdo, o prometido e o feito. O rótulo do Museu é popular, já o seu conteúdo paga alto tributo ao personalismo elitista.

(*) Jornal da Cidade, Aracaju, 11 de fevereiro de 2012. Caderno B p. 6.

(**) fjalves@infonet.com.br (do Departamento de História – UFS e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Licenciado em História pela UFS, mestre em Antropologia pela UNB e doutor em História Social pela UFRJ)
(**) fjalves@infonet.com.br (do Departamento de História – UFS e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Licenciado em História pela UFS, mestre em Antropologia pela UNB e doutor em História Social pela UFRJ)

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