sábado, 29 de outubro de 2011

A Lei 10.639/03 uma atitude de coragem!



Marcos Vinicius Melo dos Anjos[1]

Pensar o Brasil sem pensar na diversidade que esse país possui, é no mínimo estar fora de sintonia com o processo histórico de importância impar nesses 500 anos. Sabemos que durante esse processo, muitas injustiças e distorções sociais foram cometidas. Fazer de conta que essa diversidade foi construída com da força bruta usada na mão-de-obra dos carnavais e alguns aspectos culturais, sem conhecer a amplitude da força étnica dos povos que constituíram o nosso país, reforça a idéia de que tudo neste país acaba em festa.

Entender diversidade e multiculturalismo passa necessariamente pelo estudo e compreensão da importância dos grupos étnicos que, de forma decisiva, construíram nossa história. Entendemos que a formação do nosso povo, teve a participação decisiva do povo negro, que em muitos momentos da história, não teve o devido respeito e valoração, passaram por tortura física e psicológica, fato que, infelizmente por muito tempo foi olhado por “vistas grossas”.

O Brasil, historicamente falando, foi palco evidente de uma das características do sistema capitalista: a desigualdade econômica. É comum nas aulas de história ou geografia brasileira, ouvir o professor abordar sobre o sistema colonial que, serviu de justificativa para introduzir a escravidão como ferramenta na produção. Inicialmente os colonizadores usaram o poder de controle e de guerra contra os nativos brasileiros. Dando origem a uma série de guerras, conseqüentemente com inúmeras mortes dos índios alem da implantação das missões jesuíticas.

Como a pratica adotada contra os nativos, não garantiu efetivamente Mão-de-obra para suas lavouras, foi utilizado outro recurso não menos esdrúxulo, a escravização de uma etnia. Como os portugueses da época em questão, mantinham relações comerciais na costa africana, influenciaram a manutenção das guerras tribais e promovendo o lucro no trafico de seres humanos. Portanto, muitos africanos, foram trazidos na condição de escravos para servir de força de trabalho aos colonizadores do Brasil.

A luta de resistência a essa situação absurda na história foi constante com fugas, formação de quilombos, ate mesmo fazendo controle de natalidade. Fato é que elementos da cultura africana foram perpetuados, possibilitando assim a manutenção de uma cultura rica em vários aspectos. Embora durante toda a história do povo negro no Brasil a discriminação e o preconceito sempre estivem presentes. É inegável que as oportunidades e possibilidade de igualdade para a etnia africana e seus descendentes sempre foram mínimos. Promovendo um desequilíbrio social, econômico, religioso que chegaram ate os nossos dias.

Desde a década de 1950, movimentos populares em defesa da igualdade para o povo negro no Brasil, tomaram força. Em vários seguimentos sociais a presença do negro tornou evidente que precisava promover uma política de igualdade etnicorracial que oportunizasse um novo olhar da sociedade para com os negros e afro-descendentes. Um Brasil negro se levantava exigindo uma política de reparação e de igualdade em todas as esferas da sociedade.

A pressão popular, especialmente do movimento negro no Brasil, criou condições para o surgimento de uma legislação que tivesse por intuito, promover uma Educação para as Relações étnicorraciais, que tem como objetivo provocar uma reflexão social sobre o tema e possibilitar uma mudança comportamental. Questões como preconceito e racismo, valoração e reparação foram trazidas para o currículo escolar através da Lei 10.639/03.

Em 2003, o Governo Federal sancionou a Lei 10.639, que determina a inclusão de conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo da educação básica. Essa atitude, de grande coragem e determinação, é de uma dimensão impressionante, desde que aplicada de forma correta. Promover uma reflexão no âmbito escolar, dando o devido valor a etnia negra, é um projeto de mudança de valores e mentalidades, para criar novas gerações verdadeiramente favoráveis a diversidade e um respeito às questões étnico cultural.

A presença da Lei 10.639/03 na sociedade dando ênfase ao viés educacional traz a baila um efervescente debate envolvendo diversos setores da sociedade, a exemplo do Movimento Negro, Ministério Público, Secretarias de Educação até Conselhos de Educação. Dessa forma algumas considerações devem ser feitas a cerca da temática, para que essa Lei, a exemplo de outras não se torne uma “letra morta”. Promover o esclarecimento a sociedade como um todo sobre a existência da mesma torna-se obrigação em primeira instância do Poder Público instituído.

Procuraremos nesse breve artigo promover, de forma equilibrada, algumas considerações sobre a Educação nas Relações etnicorraciais, com o propósito de inquietar sobre ações necessárias e possíveis para a institucionalização da lei 10.639/03.

Sabemos que o primeiro aspecto a considerar é esclarecer o significado da Lei, o que realmente ela propõe para a efetivação da temática. Uma das dúvidas mais freqüentes é com relação à implantação de conteúdos ou disciplina na escola. Para ajudar a dirimir essa questão, a Lei determina a inserção de conteúdos sobre a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana preferencialmente nas áreas de Educação Artística (Artes), Literatura e História Brasileira. Mas vale frisar que as demais áreas do conhecimento devem se envolver no processo de institucionalização.

Outrossim, a temática Educação nas Relações etnicorraciais deve perpassar pelas disciplinas, como um olhar de valoração a história, cultura, religiões de matriz africana como elementos de construção da diversidade brasileira. Essa pratica deve incorporar uma abordagem clara e desprovida de conceitos errônea sobre a presença do negro na sociedade brasileira.

No Estado de Sergipe, a questão da Educação nas Relações etnicorraciais, vem sendo discutidas por varias instituições e diversos setores da sociedade civil organizada. Recentemente, foi instituído o Fórum Permanente de Educação e Diversidade Etnicorracial, composto por instituições governamentais e do movimento populares. A proposta de atuação do mesmo é o acompanhamento de ações efetivas que contribuam na construção de uma sociedade livre de preconceitos e discriminação.

 Outro aspecto que pode ajudar na Institucionalização da Lei 10.639/03, é a implantação do Programa de Ações Afirmativas (P.A.F.), pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), depois de um amplo debate capitaneado pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro (NEAB). Uma das ações do P.A.F. foi garantir o ingresso aos cursos de graduação através do sistema de cotas, que determina que 50% das vagas estejam reservadas para estudantes oriundos das Redes Públicas. Dentro desse percentual, 70% se destinam as pessoas que se declararem negros ou afrodescendentes.

A institucionalização do sistema de cotas, por parte da UFS, com certeza desencadeara uma forma de diferenciada de abordar as questões de Educação nas Relações Etnicorraciais nas escolas. Questões sobre o que é ser negro em um país de uma diversidade impar, porém que, ainda demonstra traços de preconceito e discriminação racial. Debates sobre oportunidades iguais para todos, ou sobre a importância de se reconhecer como negro ou Afro-descente, possibilitam a um pensar mais inclusivo.

Segundo Abdias Nascimento “as feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar sobre a realidade do país”, pensando dessa forma em todos os espaços de relações sociais, de forma sutil ou extremamente evidente, podemos observar ações que refletem a necessidade de abordar as Relações Etnicorraciais como forma de buscar uma convivência harmônica e dando a todos as mesmas oportunidades.

Outrossim, a Escola como instituição regida por programas e orientações governamentais, não escapa de um olhar mais apurado. Sendo a Lei 10.639/03, uma determinação governamental, nada mais lógico que esse mesmo governo busque alternativas para a efetiva institucionalização da mesma, ate como forma de dar exemplo para todas as outras esferas educativas. O Governo Federal através do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), vêm promovendo em todo o país ações concretas na implementação a lei acima citada.
A Secretaria da Educação do Estado de Sergipe (SEED), através do Núcleo da Educação, da Diversidade e Cidadania (NEDIC), possui ações voltadas para os professores em suas Diretorias Regionais de Educação (DREs), essas se efetivam com a realização de fóruns, encontros pedagógicos e acompanhamento de projetos escolares que contemplam a diversidade na promoção da educação para as relações etnicorraciais nas unidades de ensino. Em tempo, a SEED, através do NEDIC, publicou o livro “As Relações Étnico-Raciais: História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica de Sergipe”. Trata-se de um manual que alem de conter a legislação sobre a aplicabilidade da lei 10.639/03, conta com artigos sobre a temática, sugestões metodológicas para os docentes como também indicações de livros, filmes, sites e musicas para o trabalho sem ala de aula.

Sabemos dos aspectos positivos que as ações que vem sendo desenvolvidas, seja pelo poder público ou pela sociedade civil, estão contribuindo para a promoção da igualdade etnicorracial através da Lei 10.639/03. Devemos salientar que estamos tratando de uma mudança comportamental, uma mudança no olhar para um contexto social com suas singularidades e diversidade.

Entendemos então que a Lei 10.639/03 é uma atitude de coragem, em um país que todos se declaram não racistas, mas que admitem que o racismo exista em varias formas e níveis.  Devemos entendê-la então, como um compromisso social, um compromisso moral. Onde a reparação e as oportunidades estejam presentes no dia a dia. Buscar a convivência sem preconceitos e discriminações, e um dever de todos que por mais que uns não percebam todos nós, com poucas exceções, somos Afro-decendentes.

Essas mudanças se efetivada de forma correta estarão contribuindo na construção um país mais justo, que ofereça a todos a igualdade que a constituição assegura. Dessa forma teremos a valoração à diversidade brasileira, que é impar no mundo, nos fazendo orgulhosos de vivermos em um país igual e justo para todos que aqui habita.  


[1] Licenciado em História pela UFS, professor da Rede Estadual da Educação, desempenhando trabalho de Técnico no Núcleo de Educação, da Diversidade e Cidadania, professor da Faculdade São Luis de França e co-autor dos livros: História de Sergipe para Vestibulares e Outros Concursos, Sergipe Nossa Geografia, Sergipe Nossa História, Sergipe Sociedade e Cultura e Sergipe Nosso Estado.  

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

NOVEMBRO NEGRO 2011

Educação, Cultura, Arte e Direitos Humanos, de 07 de novembro a 15 de Dezembro.

Participe do 5º Seminário Educação, Cultura, Arte e Direitos Humanos e do
3º Seminário Educação para as Relações Étnico-Raciais na Faculdade São Luís de França.



































Confira programação e faça sua inscrição no site:  www.fslf.com.br

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O livro didático “Sergipe Nosso Estado”


Edições Sergipecultura é uma equipe de professores que produzem livros didáticos e paradidáticos específicos sobre Sergipe nas áreas de História, Geografia/Meio Ambiente e Cultura desde 2002.
Agora, em outubro de 2011, estamos lançando mais um título: “Sergipe Nosso Estado”, para o ensino fundamental. O sucessor de “Sergipe Nossa História” e “Sergipe Nossa Geografia” publicados entre 2005 e 2011.
Os textos desses livros foram revisados, atualizados e ampliados, além de terem sido acrescentados conteúdos sobre os aspectos mais significativos sobre a cultura sergipana.
Sergipe Nosso Estado” - SNE contém 40 capítulos: 18 sobre a História de Sergipe distribuídos em quatro Unidades; 13 sobre a Geografia de Sergipe em quatro Unidades e nove sobre a Cultura sergipana na última unidade. O livro tem dimensões 27,5cm x 20,5cm, 220 páginas com brochura espiralada e miolo colorido.
Ao final de cada capítulo existe a secção “Fazendo e Aprendendo” com atividades práticas procurando estimular o raciocínio, a criatividade e a busca do conhecimento.
Nosso livro é fundamentado em uma bibliografia sólida de aproximadamente 250 Referências que há anos vem sendo estudada exaustivamente.
            Os autores são sergipanos, profissionais das disciplinas citadas, com uma média de 25 anos de experiência na área da educação nas redes públicas e particular.
            Os objetivos de SNE são: cumprir a Constituição do Estado de Sergipe (Art. 215, VIII Princípio da Educação) transmitir informações específicas sobre o local, contribuir para o fortalecimento do sentimento da sergipanidade/pertencimento e contemplar as leis 10.639/2003 e 11.645/2008 que tornam obrigatório o estudo da História e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena, respectivamente.
A distribuição de SNE para as livrarias e papelarias acontecerá a partir da segunda semana de novembro. Garantimos que não faltará exemplares nos estabelecimentos comerciais citados, em virtude do livro ser impresso em Aracaju por uma editora (Infographic’s Gráfica e Editora) com serviços gráficos de alto padrão de qualidade, agilidade e profissionalismo. Além de termos contato direto e aproximação com as livrarias/papelarias de Aracaju e dos centros regionais do interior sergipano.
Por fim, informamos que em 2012 Edições Sergipecultura lançará os primeiros títulos da Coleção “Meu Papagaio” de livros paradidáticos infantis, como sempre, com temáticas e/ou ambientação locais.

Realizando Excursões Pedagógicas*




Antônio Wanderley de Melo Corrêa**

            Quando um professor decide realizar uma excursão pedagógica a um museu, cidade histórica, reserva ecológica, zoológico, exposição, empresa, entre outros, é importante realizar um pequeno projeto que contenha objetivos, público alvo, recursos humanos e materiais, programação, metodologia e avaliação. O projeto expõe com clareza para o próprio professor e para as outras pessoas direta e indiretamente envolvidas - alunos, pais, coordenador pedagógico, diretores - o que, como e porque aquela atividade vai acontecer.
            O evento deve ser articulado por meio de contatos com pessoas-referências do local a ser visitado mediante ofícios e contatos pessoais e/ou telefônicos. Tudo com antecedência de, no mínimo, uma semana.
            Na comunicação para a comunidade escolar, além de reuniões com a coordenação pedagógica e com a direção, são recomendáveis a produção e distribuição de um folder que contenha informações básicas e úteis: data, horário, local e objetivos da atividade, além de uma ficha para a assinatura dos pais ou responsáveis de cada estudante, autorizando a participação de cada aluno, em se tratando de menores de idade. Nessas informações prévias, é importante incluir o material que cada aluno deverá ou não levar. Por exemplo: máquina fotográfica/filmadora, caderno ou caderneta de campo, lanche, dinheiro para refeições, entre outros.
            É fundamental que os alunos saibam, com antecedência, a maneira pela qual serão avaliados ao participarem da excursão.
            No dia do evento, os professores os alunos e o transporte deverão estar no local determinado para a saída, na escola de preferência, trinta minutos antes do horário previsto. Esse “rigor” evita atrasos que podem comprometer seriamente o evento.
            Mesmo quando o local a ser visitado contar com a presença de um guia, é interessante que os professores conheçam previamente o local para obter informações sobre o mesmo. Ou mesmo pesquisar na internet, para, no momento oportuno poder dar informações complementares às do guia. Saber também o itinerário, o tempo de translado para programar a duração da visita.
            Neste gênero de atividade educativa, não é recomendável conduzir grande quantidade de estudantes. Caso não seja possível limitar a excursão a uma turma, se faz necessário ao professor que organizou o evento, pedir a ajuda de outros colegas que ministram disciplinas afins para conduzir a estudantada.
            Durante a atividade é fundamental a manutenção da disciplina, afinal todos estão em aula (de campo), participando de atividade educativa. Portanto, dispersões, correrias e comilanças fora de hora devem ser evitadas através de advertências prévias.
            Os educadores devem estimular os alunos a ficarem de olhos e ouvidos atentos e anotarem perguntas quando surgirem dúvidas ou curiosidades. É necessário convencê-los a não entrarem na paranóia do “anotar tudo”. Porque tal atitude é ingrata e impraticável e cria ansiedade, confusão e frustração.
            Durante o percurso de ida e de volta, bem como no intervalo para o lanche, os professores podem estimular expressões lúdicas, a exemplo de cantar músicas, fazer dinâmicas de grupo e outras brincadeiras saudáveis, contribuído para uma maior sociabilidade e confirmando afetividades.
            Após a excursão, os professores podem avaliar os estudantes participantes aplicando questionário com perguntas do tipo: Quais eram suas expectativas? O que mais lhe agradou e chamou a sua atenção? Exponha os conhecimentos que você adquiriu. Faça suas críticas e dê suas sugestões.
             Os alunos podem ainda serem avaliados por meio de atividades em grupo para debates, construções de maquete, ou murais que contendo fotos legendadas, mapas, textos, cartazes. Esses últimos a serem expostos para toda a escola. Eles ficarão orgulhosos e confiantes.
            Um relatório por escrito sobre a excursão e entregue à coordenação pedagógica e à direção, registra a atividade para a memória da escola e demonstra objetividade e fortalece o profissionalismo dos/as professores/as envolvidos/as.

(*) Este artigo foi publicado pelo Jornal da Cidade em 23 nov. 1999. Caderno B. pg. 06 e revisado pelo autor em out. 2010.
(**) Licenciado em História pela UFS e professor das redes públicas estadual (SEED) e municipal (SEMED/PMA).

sábado, 22 de outubro de 2011

O livro "História de Sergipe Para Vestibulares e Outros Concursos - 2ª Edição"

Em 2003 lançamos a primeira edição de História de Sergipe para Vestibulares e Outros Concursos. O livro foi um sucesso, 7.000 exemplares adquiridos. Motivo de grande alegria para nós, pelo sentimento agradável de termos contribuído para a democratização de conhecimentos sobre a História de Sergipe e de ter ajudado modestamente a muitos concidadãos a obterem êxito em vestibulares e concursos públicos.
Em 2010 resolvemos partir para uma reforma do livro e publicá-lo em uma segunda edição revisada, atualizada e ampliada.
História de Sergipe para Vestibulares e Outros Concursos – 2ª Edição é dividido em três unidades, nas quais são apresentados conteúdos históricos específicos, da Pré-História à atualidade do século XXI.
Assim, História de Sergipe para Vestibulares e Outros Concursos – 2ª Edição é um recurso didático-pedagógico renovado para professores e estudantes do Ensino Médio, de cursos pré-universitários, candidatos a concursos públicos locais e ainda para quem têm interesse em absolver informações sobre o processo histórico da sociedade sergipana. Além de promover o conhecimento, este livro pretende contribui para a prática da cidadania e para fortalecer o sentimento de pertencimento.
Pretende também contribuir para o cumprimento da lei, como determina a Constituição do Estado de Sergipe, no seu Art. 215, VIII Princípio da Educação: “Nos programas das áreas de estudo das disciplinas Geografia, História e Literatura, será obrigatória a inclusão de conteúdos específicos sobre Sergipe”. Contempla as Leis 10.639/03 e 11.645/08 que tornam obrigatório o estudo da História e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena, respectivamente.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O Povo
Eça de Queiroz

Este poema, escrito no século XIX, retrata a realidade dos trabalhadores ante o triunfo da Revolução Industrial. As linhas a seguir desnudam as contradições do capitalismo, com suas gritantes desigualdades. A foto “Pés” de Sebastião Salgado também é dramaticamente poética.
Qualquer semelhança entre o texto de Queiroz e o presente ...   

Foto: Sebastião Salgado

Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos,
com divinas bondades de coração, com uma inteligência serena e lúcida,
com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, e que sofrem, e se lamentam em vão.
Estes homens são o Povo.

Estes homens, sob o peso do calor e do sol, transidos pelas chuvas e pelo frio, descalços, mal nutridos, lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida,
a sua força, para criar o pão, o alimento de todos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos alimentam.

Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o Povo, e são os que nos vestem.

Estes homens vivem debaixo das minas, sem o sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respirando mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro, e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o Povo, e são os que nos enriquecem.

Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria e vão, dormindo mal, com marchas terríveis, a neve, a chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem.

Estes homens formam as equipagens dos navios, são lenhadores, guardadores de gado, servos mal retribuídos e desprezados.
Estes homens são o Povo, e são os que nos servem.

E o mundo oficial, opulento, soberano, o que faz a estes homens que o vestem, que o alimentam, que o enriquecem, que o defendem, que o servem?

Primeiro despreza-os ao não pensar neles. Não vela por eles; trata-os como se tratam os bois; deixa-lhes apenas uma pequena porção dos seus trabalhos dolorosos; não lhes melhora a sorte, cerca-os de obstáculos e dificuldades; forma-lhes em redor uma servidão que os prende e uma miséria que os esmaga; não lhes dá proteção; e, terrível coisa, não os instrui: deixa-lhes morrer a alma.

É por isso que os que têm coração e alma, e amam a Justiça, devem lutar e combater pelo Povo. E ainda que não sejam escutados, tem na amizade dele uma consolação suprema.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Folclore: etimologia e abrangências*

Antônio Wanderley de Melo Corrêa**

             Há praticamente uma unanimidade no que se refere ao significado da tradução do termo folk lore, bem como o conceito que adquiriu no Brasil. Significado e conceito disseminados nos livros didáticos das disciplinas sociais e até mesmo em publicações científicas. Tendo por consequência a repetição infatigável na escola e em muitos outros espaços da vida social e cultural.
            E por falar em cultura, o folclore é largamente confundido com a cultura popular. Preocupado com esses problemas de compreensão do senso comum em torno do assunto, me arriscarei a trilhar neste terreno escorregadio e fragmentado.
            O termo folclore é o aportuguesamento da expressão folk lore atribuída ao inglês Willian John Thoms sob o pseudônimo de Ambrose Merton, expressada em um artigo na revista The Athenaeum de Londres, publicado em 22 de agosto de 1846, substituindo a expressão “antiguidades populares” em uso desde o final do século XVIII. E em antônimo a book lore, a ciência livresca e intelectual, o conhecimento científico. [EDELWEISS, Frederico. Apontamentos de folclore. Salvador: EDUFAB, 2001. P. 17].
            A “unanimidade” traduz folk = povo e lore = saber. A “sabedoria popular”.
            Mesmo não sendo especialista no idioma e na cultura anglo-saxônica, basta consultar um bom dicionário de inglês, para se ver demolido o conceito consagrado. “Sabedoria popular” ou “saber do povo” é uma tradução simplista, pior, distorcida e distanciada do real significado. Senão vejamos: FOLK – Art, stories, customs etc are traditional and typical of the ordinary people who live in a particular area. [ LONGMAN. Dictionary of contemporany English. Barcelona: Cayfosa, 1995. P. 545]; LORE – Know ledge or information about a subject, for example nature or magic, that is not griten down but is passed from person. (…). [LONGMAM, 1995. P. 850]. 
            Numa tradução um tanto sumária da fusão de folk com lore, percebe-se que o significado original da expressão de Thoms é bem mais amplo: Conhecimento de artes, estórias e costumes tradicionais transmitidos oralmente por uma população que habita em uma área específica. Portanto folk não é simplesmente o “povo”, mas uma comunidade de uma área específica (aldeia, lugarejo, bairro, cidade pequena). E lore não se resume a “saber”, mas sim ao saber oral, tradicional e fantasioso.
            A compreensão mais atenta do significado etimológico a expressão ajuda no entendimento do que vem a ser e como surge um fato folclórico.
            Enquanto nos países europeus o conhecimento tradicional de folk predomina a literatura oral: contos, lendas, mitos e superstições, no Brasil o folclore possui uma amplitude mais diversa. Na própria literatura folclórica, além das manifestações já citadas, ainda possuímos o repente, o desafio de viola, a anedota e a piada, o trava-línguas, a advinha, as cantigas de roda e as expressões regionais. São também considerados fatos folclóricos o artesanato ou ergologia tradicional em cerâmica, madeira, papel, couro, fibras vegetais, metais, tecidos e alinhavos; os grupos, folguedos e altos, que existem incomensuravelmente pelos Brasis adentro.
            Quanto à confusão entre folclore e cultura popular, a mesma nasce de uma premissa: todo o saber ou conhecimento popular é folclórico.
            Muitos pensadores renomados, inconsciente ou não, reforçaram esta idéia. A cultura popular não é sinônima de folclore. Este é parte daquela. É a sua vertente lúdica, fantástica e tradicional.
            O saber do povo não se resume à fantasia, à imitação e à tradição, pois se assim muitos o concebem, o fazem influenciados por preconceito. Indiretamente compreendem que o povo não é capaz de pensar e agir seriamente, de responder aos desafios da existência. É fundamental o entendimento que a sabedoria e a criatividade extrapolam o lore. O conceito consagrado “saber, pensar e agir de um povo”, reforça a confusão. A tênue fronteira que separa o folclore da cultura popular é outro fator de equívocos. Assim, é bastante aceitável recorrer à ilustração da cultura popular brasileira enquanto um imenso caldeirão, no qual ferve uma infinidade de ingredientes. Muitos dos quais folclóricos, outros não. Difícil separar rigidamente a mistura. Pois cultura é criação e recriação permanente dos grupos humanos de diferentes etnias, origens geográficas, matizes e classes. E falar do humano é levar em conta contradição, paradoxo, subjetividade, complexidade, transformação.
            O que é sabido pelo povo, que vai além da tradição, da lúdica e da fantasia, trata-se obviamente da cultura popular não folclórica.
            Entende-se cultura popular com sendo “aquela parte da cultura produzida pelo povo para o próprio povo”. [CALDAS, Waldenyr. Cultura. 4ª Ed. São Paulo: Global, 1991. P. 69].O “povo” aqui compreendido como os setores sociais pobres, assalariados ou subempregados do campo e do meio urbano.
            Outra questão é de abrangência geográfica do fato folclórico. Voltando ao significado original da expressão de Thoms, o “povo” de que se fala é o who live in a particular área, ou seja, de uma comunidade específica: um bairro, um povoado, uma aldeia, uma pequena cidade. Assim, seguindo essa compreensão, quando se fala de um “folclore nordestino”, trata-se de uma referência ao repertório geral das manifestações folclóricas específicas das pequenas comunidades englobadas na área político-geográfica do Nordeste brasileiro. O universo do folclore não é um tecido uniforme com cor e textura únicas, mas uma imensa colcha de pequenos retalhos multicores e multiformes. Falar de um folclore sergipano é falar da diversidade. Porque as manifestações são comunitárias, de pessoas que se conhecem, que vivem juntas in a particular área, muito embora os sergipanos as concebam com suas, mais por direito de que de fato, como elo de identidade regional plasmada por difusões em mídia, na escola e em eventos do calendário cultural.
            Pontilhando alguns exemplos no mapa do folclore sergipano, observa-se que o Parafuso é um folguedo peculiar da cidade de Lagarto; a cerâmica produzida pelos índios Xokós na ilha de São Pedro (Porto da Folha) é diferente da produzida em Itabaianinha, que por sua vez difere da confeccionada em Santana do São Francisco (antiga Carrapicho). Cada uma possuindo características próprias; o Cacumbí de Laranjeiras é diverso, em ritmo, coreografia, cores e formas, aos de Japaratuba.
            As expressões folclóricas não se repetem integralmente no tempo e muito menos no espaço. Mas toda essa diversidade tem como fundamento, propósito e substância o fato de as pessoas brincarem para dizerem a elas mesmas e aos outros quem são e como são. E essa brincadeira é algo que temos que levar muito a sério.

(*)Artigo publicado no jornal Gazeta de Sergipe em 23 ago. 2003. P. 06. Revisado em outubro de 2010.
(**) Licenciado em História pela UFS pela UFS e professor das redes públicas estadual (SEED) e municipal (SEMED/PMA).