sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Natal sem Jesus Cristo




Antônio Wanderley de Melo Corrêa*

O Natal é a festa mais tradicional dos cristãos. Comemora o nascimento de Jesus Cristo, embora os Evangelhos não citem explicitamente nenhuma data relativa ao fato. Assim, o dia 25 de dezembro é amplamente questionado por historiadores e exegetas independentes, através de indagações lógicas.
No hemisfério norte, dezembro é o mês mais próximo do inverno, logo, como pastores poderiam está pastoreando seus rebanhos naquela época do ano, ao relento, m noite fria? (Lucas 2:8)
A única referência indireta sobre o período do nascimento do Nazareno se encontra no Evangelho de Lucas (1:26): “Maria engravidou no sexto mês”. Pressupondo que o calendário de 12 meses solares já estava em vigor no Império Romano, do qual a Palestina era província anexada, em que o sexto mês é junho, somado com mais nove, que é o período da gestação humana, conclui-se que o natalício do Homem de Nazaré ocorreu em março ou abril.
Os evangelistas denominaram Jesus, simbolicamente, como “Cordeiro de Deus” (João 1:36), reforçando a tese de seu Natal no período calculado acima, em função daqueles meses terem sido, tradicionalmente, o período de maior ocorrência do nascimento de cordeiros naquela região e naquele tempo.
            Mas, como teve início a tradição da comemoração do Natal de Jesus no dia 25 de dezembro? No calendário pagão romano, naquela data, cultuava-se Mitra, o “sol invencível”, uma deidade persa assimilada pelos gregos e popularizada em Roma. A lenda divulga que aquela entidade teria nascido de uma mulher virgem. Além disso, sua festa ocorria com fartura de pão e vinho. Elementos que se relacionam com a história de Jesus: sol “eu sou a Luz do Mundo”, nascido de uma virgem e a celebração da ceia com pão e vinho.
            No I Concílio de Nicéia, ocorrido no ano 325, a cúpula da Igreja Cristã estabeleceu como data do nascimento de Jesus Cristo o 25 de dezembro, para coincidir com a festa pagã do nascimento do “sol invencível” Mitra. Uma estratégia para favorecer a aceitação do cristianismo entre os romanos pagãos.
A tradição foi mantida por parte da maioria das religiões cristãs, permanecendo, a data consagrada do natalício do Galileu o 25 de dezembro.
No período contemporâneo, com a sedimentação do capitalismo industrial a partir de meados do século XIX, as datas comemorativas tornaram-se excelentes oportunidades de estimular o aumento do consumo. Ainda mais quando se trata de uma festa na qual, tradicionalmente, são trocados presentes, numa alusão à passagem bíblica da visita dos reis magos a Jesus Cristo ainda bebê (Mateus 2:9 – 11). No entanto, a lembrança da chegada de Jesus Cristo ao mundo tem sido substituída massivamente, na sociedade de consumo, por Papai Noel.
O mito Papai Noel transformou-se no grande ícone do Natal no mundo ocidental. Hoje está praticamente espalhado pelo planeta, globalizou-se. Uma adaptação da tradição alemã e escandinava de associar São Nicolau de Mira ao Natal. Ele viveu no século IV. Diz a tradição que Nikolaus (como é escrito no alemão)  distribuía presentes para crianças pobres na noite de 24 para 25 de dezembro trajando roupa de inverno parda ou verde.
No país onde a personalidade transformou-se em mito, ele é denominado Weihnachtsmann: “Homem do Natal”; na Itália é Babbo Natale, na França Père Noël, na Inglaterra Father Christmas, em Portugal Pai Natal, nos Estados Unidos Santa Claus, na Espanha e na maioria dos países da América Latina é denominado Papá Noel.
Em 1822, o professor e poeta norte americano Clemente Clark Moore, criou o poema “Uma Visita de São Nicolau”, em que, imaginou Santa Claus viajando em um trenó puxado por renas e entrando nas casas pelas chaminés, para distribuir os presentes para a garotada.
O cartunista, também norte americano, Thomas Nast produziu uma ilustração, na edição especial de Natal da revista Harper’s Weeklys, em 1886, representando Santa Claus com roupas vermelhas e brancas, as cores predominantes da bandeira daquele país. E em 1931, a Coca Cola realizou uma campanha publicitária agressiva, destacando o mito, outra vez com aquelas cores, que também são as do seu rótulo. Imagem que foi difundida pelo mundo e consolidou-se. 
Assim foi sendo construída a atual imagem do “bom velhinho”, que se transformou no mito perfeito para estimular as compras de produtos para as trocas de presentes na véspera do Natal. Na mente da maioria das pessoas, o símbolo do Natal é tão somente o Papai Noel, com seu saco enorme de presentes, ou seja, de produtos fornecidos pelo mercado.
            O comportamento consumista das multidões é acompanhado da frieza, no que se refere à espiritualidade, a uma lembrança, mesmo que tênue, do Nazareno que nasceu em um pobre estábulo, por falta de hospitalidade. E olhe que, segundo os Evangelhos e as doutrinas das religiões cristãs, Ele veio ao mundo com a missão magnânima de libertar a humanidade dos males capitais: o orgulho, o egoísmo, a vaidade e a falta de esperança.
O consumismo e a indiferença são facilmente observados nos dias que antecedem o 25 de dezembro e na maior parte das reuniões familiares para a famosa ceia do Natal - evento social onde não pode faltar peru assado, panetone, queijos finos, frutas cristalizadas, regados a vinho e a decalitros de cerveja e refrigerante. Muita comilança, bebedeira, troca de presentes, som alto, bate papos e frivolidades. Nenhuma oração, nenhuma leitura do Evangelho alusiva à data, nenhuma reflexão sobre a importância do ideal cristão. Se alguém com mais sensibilidade propõe algo assim, é logo rechaçado pelos mais “brincalhões” com palavras infelizes e de mau gosto, do tipo: “Lugar de reza é na igreja!”; “Tá virando beata, fulana ??”; “Eu vim aqui foi pra beber e comer!”.
Que pena que a maioria não perceba o quanto um ambiente social muda (para melhor) durante e após uma prece coletiva. O panetone tem gosto do Pão da Vida, o vinho tem a doçura e o frescor do solvido nas bodas de Caná, as frutas têm a suculência dos figos e tâmaras da Galiléia, os abraços são calorosos como os do cenáculo natural das margens do Tiberíades. A alegria é mais amena, sincera e verdadeira. 
No entanto, é perdida uma oportunidade de aprender e refletir sobre o verdadeiro sentido da vida, a melhor e mais bela forma de se relacionar com os outros, o real destino de cada um de nós para além da vida física.
            Jesus, de fato, trousse o maior, o mais belo e o mais profundo tratado existencial, moral e espiritual da história. Ele ensinou e viveu o que pregou, conquistou seguidores inumeráveis com Suas palavras arrebatadoras e o Seu exemplo incomparável. 
E não é para menos, somente para lembrar e refletir, eis algumas delas: Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados de filhos de Deus (Mateus 5:9); Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mateus 5:6); Vinde a mim todos vós que sofreis e que estais sobrecarregados e eu vos aliviarei (Mateus 11:28); [Citando o profeta Isaías] Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim (Mateus 15:8); Ai do mundo por causa dos escândalos, porque é necessário que venha escândalos, mas ai do homem por quem o escândalo venha (Mateus 18:7); Se vosso irmão pecou contra vós, ide lhe exibir sua falta em particular, entre vós e ele; se ele vos escutar, tereis ganho o vosso irmão (Mateus 18:15); [...] ide antes reconciliar-vos com o vosso irmão, e depois voltai para fazer vossa oferenda (Mateus 5:24); Por que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, vós que não vedes uma trave no vosso olho? (Mateus 7:3); Amará o Senhor vosso Deus de todo o vosso coração, de toda a vossa alma e de todo o seu espírito [...]. Amareis vosso próximo como a vós mesmos (Mateus 22:37 e 39); Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem e vos caluniam (Mateus 5:44); [...] que a vossa mão esquerda não saiba o que dar a vossa mão direita (Mateus, 6:3); Entrai pela porta estreita, porque a porta da perdição é larga, e o caminho que a ela conduz é espaçoso, e há muitos que por ela entram. Como a porta da vida é pequena! Como o caminho que a ela conduz é estreito! E como há poucos que a encontram! (Mateus 7:13-14); Todo aquele que pratica, pois, ouve estas palavras que eu digo e as pratica será comparado a um homem sábio que construiu sua casa sobre a rocha (Mateus 7:24);  Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos, porque há muitos chamados e poucos os escolhidos (Mateus 20:16); Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos permitiu devolver (se separar das) vossas mulheres (Mateus 19:8); [...] não há nada de secreto que não deva ser descoberto, nem nada de oculto que não deva ser conhecido [...] (Lucas 8:17); Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, eu me envergonharei também dele [...] (Lucas 9:26); Pedi e se vos dará; buscai e achareis; batei à porta e se vos abrirá; porque todo aquele que pede recebe, quem procura acha, e se abrirá àquele que bater à porta (Mateus 7:7); [...] não junteis tesouros na Terra, onde a ferrugem e os vermes os corroem, onde os ladrões os desenterram e roubam; mas formai tesouros no céu, onde nem a ferrugem, nem os vermes os corroem; porque onde está o vosso tesouro, aí também está o vosso coração. [...] Procurai, pois, primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Por isso, não estejais inquietos pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã, cuidará de si mesmo. (Mateus 6:19-34). Dai de graça o que de graça recebeste (Mateus 10, 8); Qualquer que pertença à verdade escuta a minha voz (João 18:37).
Ensinamentos simples e profundos, que se opõem drasticamente à mesquinhez do individualismo, à insensatez e à corrida desenfreada pelas vantagens e conquistas pessoais. Que revelam a necessidade urgente do despertar para uma nova cultura mental, na qual prevaleça a solidariedade, a justiça, a paz, a confiança em Deus e a compreensão ampla do verdadeiro sentido da vida. O Natal é uma ótima oportunidade para este começo.
As legiões invisíveis do Cristo já estão trabalhando para dissiparem as trevas, confundirem os orgulhosos e glorificarem os justos.
Que Aquele que vive e reina para sempre, em Espírito e Verdade, lhe abençoe agora e para sempre. Feliz Natal.    
(*) Professor de História da rede pública estadual (SEED) e da rede pública municipal (SEMED\PMA).

Um comentário:

  1. Ótima reflexão! Espero que a partir dela possamos recuperar o sentido de nossas "comemorações" e viver os ensinamentos profundos de nosso Mestre Maior... aí talvez não precisemos mais fetichizar tanto as nossas "datas comemorativas"... quiçá possamos viver e acolher verdadeiramente o espírito natalino todos os dias de nossas vidas!

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