Antônio Wanderley de Melo
Corrêa*
A escola é local por excelência onde a
dinâmica da sociedade se expressa, bem como suas permanências e tradições. A
comunidade está ali representada largamente, com estratos sociais diferentes,
faixas etárias e pessoas de níveis educacionais diversos e até com interesses
contraditórios. É um dos espaços das expressões genuínas da cultura popular, interagindo
com outras culturas, sendo um verdadeiro “laboratório” social e cultural
dinâmico.
A Literatura de Cordel, introduzida nas
atividades pedagógicas da escola, através de projetos específicos ou
interdisciplinares, gincanas, feiras culturais e oficinas de produção literária,
proporciona aos estudantes a oportunidade rica de um amplo diálogo com a
cultura popular, além do reconhecimento e afirmação desta cultura tradicional regional
em contraponto à cultura de massa ou de consumo.
Também estimula a prática da leitura, da
escrita neste mergulho na criatividade literária. É um exercício de
auto-afirmação e da valorização do próprio gênero Cordel, preservado e
expandido largamente e sem conta pelo Brasil a fora (ou seria adentro?). Nessa
linha de raciocínio, percebe-se que o Cordel na escola não é somente linguagem
e fonte de informação. Assim, se torna imprescindível o diálogo com a cultura
que emana deste gênero literário.
Quando o Cordel chega à escola, muitos
estudantes vêm como uma novidade exótica ou como uma realidade distante da
própria cultura escolar e comunitária. Entretanto, ao terem contato com os
conteúdos dos folhetos da poesia popular, sempre acontece uma grande
identificação, seja pela sua abrangência, seja pela enorme variedade temática,
contemplando todos os gostos, ou ainda pelo estilo bem humorado, irônico e lúdico
do gênero literário. Não obstante, o pedantismo e a descriminação de alguns “intelectuais”
o denominando de “paraliteratura” ou “literatura menor”. Coisa do Brasil, o império
das contradições. As expressões geniais e autênticas da nossa cultura são tratadas
com desdém por setores do mundo acadêmico, enquanto universidades européias, de
tradição milenar, reverenciam o Cordel brasileiro, através de disciplinas
específicas para estudar o gênero literário; produzem teses científicas e honram
poetas populares com títulos Honoris
Causa.
Assim, apresentar o Cordel à escola é
uma ação coerente com a história e a cultura regional, além de ser poderoso
aliado nas práticas de ensino/aprendizagem. É o que pretendemos mostra neste
escrito, baseado em duas excelentes obras sobre o tema: I - MARINHO, Ana
Cristina e PINHEIRO, Hélder. O Cordel no
cotidiano escolar. São Paulo: Cortez, 2012; II - HAURÉLIO, Marco.
Literatura de Cordel: do sertão à sala de
aula. São Paulo: Paulus, 2013.
Antes de tratarmos do tema, considero pertinente
ressaltar o que a leitura
proporciona: enriquece o vocabulário, aumenta a agilidade do pensamento, melhora
a verbalização e a dicção, favorece a fluência e a correção da escrita, amplia
e diversifica o conhecimento e expande as idéias e os valores, canalizando para
a ampla e verdadeira liberdade de pensamento.
Também são fundamentais alguns cuidados, no que se refere ao trabalho
educativo com qualquer gênero de leitura: sondar dos leitores o que gostam,
quais seus interesses, suas experiências culturais; partir de algo que possa
tocá-los; entender que o gosto pode ser educado; o prazer de ler não anula o
esforço da própria leitura e o trabalho de compreensão.
Destaquei seis ações metodológicas, como
sugestões para trabalhos educativos com Literatura de Cordel.
1.
A leitura oral – Ler em voz alta, com ritmo e entonação, é uma atividade
fundamental. Pode ser realizada mais de uma leitura. Trata-se de dar expressividade
à leitura. Poemas humorísticos ou dramáticos requerem tons e expressividades
adequadas. Assim, a leitura deverá ser sempre treinada antes da apresentação ao
público. É importante que a leitura seja feita com os folhetos, para que todos
conheçam esse tipo de produção cultural. De acordo com a temática de cada
poema, muitas atividades podem ser feitas com ou a partir dos folhetos. Para
aqueles estudantes que não têm o ímpeto para a leitura oral, é recomendável a
leitura individual e silenciosa, seguida do preenchimento de uma ficha de
leitura;
2. A variedade de temas – A Literatura
de Cordel possui uma variedade enorme de temas, que vai desde fatos históricos,
sociais e cotidianos até romances e fantasia. No Cordel, todos os assuntos e
informações viram versos. As idéias conflitantes e as ideologias diversas
contidas na poesia popular são estímulos ao debate, que deve sempre ser
privilegiado na sala de aula. Assim, os estudantes mergulham na cultura de seu
povo e são estimulados a serem agentes transformadores dessa cultura. A
discussão pode ser comparativa, sobre folhetos que tratem do mesmo tema, de um
tema da atualidade global ou regional, sobre os valores, acertos e possíveis
equívocos defendidos pelo autor;
3. Dramatizações – Desenvolver a
capacidade dos estudantes em reinventar as histórias dos folhetos de Cordel na
forma de dramatizações individuais ou grupais, sem a obrigação de cenários e
trajes elaborados, com sentido prático e explorando a improvisação. A Literatura
de Cordel já inspirou inúmeras peças do teatro brasileiro;
4. Cordéis cantados – Pode ter vivências agradáveis em sala de aula. Toda a turma ou
pequenos grupos podem cantar poemas de Cordel no estilo das cantorias de
violeiros (consulte vídeos na internet sobre esse gênero musical) ou os
próprios alunos criando músicas para as estrofes. Grandes nomes da música
popular brasileira cantaram poemas de Cordel;
5. Criações de histórias na sala de aula
– Na criação de histórias, as fontes de inspirações podem ser as experiências
pessoais, familiares ou comunitárias. Cada um pode colocar no papel, transpor
para um folheto, suas experiências em versos rimados: uma paixão, um sonho, um
problema social, uma luta comunitária, um fato histórico, um acontecimento
pitoresco, uma festa, uma partida de futebol, uma lenda da comunidade, entre
tantos outros motivos. Tudo pode virar versos;
6. Uma feira literária – Envolvendo diversas
atividades, como venda de folhetos, cantorias de violeiros, exposições de
folhetos, murais, palestras, oficina de produção de poemas e de confecção de
folhetos; encenações de histórias, apresentações de musicas influenciadas,
filmes inspirados, além de ilustrar as narrativas em cartazes.
Concluo
citanda a autora de um dos trabalhos que serviram de referência para este
escrito: O mais importante de tudo isto é
que a literatura de cordel seja percebida como uma produção cultural de grande
valor e precisa ser conhecida, preservada e cada vez mais integrada à
experiência de vida de nossas novas gerações (Ana Cristina Marinho).
(*) Licenciado em História pela UFS, professor das
redes públicas estadual (SEED) e municipal de Aracaju (SEMED/PMA), escritor de
livros didáticos sobre Sergipe e cordelista.
parabéns ótimo artigo
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