quarta-feira, 30 de maio de 2012

As Testemunhas de Jeová e o Estado Nazista


Luiz Fernando de Melo Corrêa

Uniforme de um prisioneiro TJ de um campo de concentração nazista. Foto: Lili Galligani.

Desde quando surgiu um pequeno grupo de estudantes da Bíblia na Pensilvânia, Estados Unidos, coordenados por Charles Taze Russel, na segunda metade do século XIX, que as Testemunhas de Jeová (TJ) buscam entender, resgatar, praticar e divulgar o Cristianismo original  apresentado nas páginas da Bíblia. Mesmo sem se pretenderem infalíveis ou portadores de uma nova revelação, as Testemunhas de Jeová tentam viver o Cristianismo na sua essência, mesmo que, para isso, sejam vítimas de más interpretações, preconceitos e até mesmo de severas perseguições.
Na Europa das décadas de 1920 e 1930, as TJ já estavam presentes em vários países divulgando a Bíblia em dezenas de idiomas. Mesmo com as grandes agitações políticas efetuadas por fascistas, comunistas, liberais e anarquistas, as Testemunhas continuaram neutras na política, sua preocupação básica era divulgar somente o Reino de Deus. Entendiam que os governos e os projetos humanos não trariam solução definitiva aos problemas da humanidade.
Com a ascensão do Nazismo ao poder na Alemanha a partir de 1933, a mensagem do Reino de Deus, a neutralidade em assuntos políticos e a não participação nos esforços de guerra colocaram as TJ como um dos maiores inimigos de governo nazista e do seu líder, Adolf Hitler.
Por não apoiar o militarismo, o racismo e a idolatria ao ditador, Hitler, já em 1934, em toda a Alemanha, as TJ passaram a ser espancadas, humilhadas e expulsas das escolas e dos empregos, além de perderem suas casas, direitos trabalhistas e a cidadania alemã.
Helmut Krausnick e Martin Broszat, em seu livro Anatomia do Estado das SS, declararam: “Uma categoria adicional de presos sob detenção (...) depois de 1935 (...) em campos de concentração (...), provinha dos membros das Testemunhas de Jeová”. Em alguns campos de concentração as TJ chegavam a representar cerca de 10% dos prisioneiros e em muitas delas foram confinadas antes mesmo que os judeus. Os autores também comentaram: “Em 1939, a maioria dos detentos [ do campo de concentração ] de Sachsenhausen, era de elementos anti sociais, homossexuais, Testemunhas de Jeová e criminosos habituais”.
A historiadora inglesa Christine King relatou: “surpreendentemente para os nazistas, as Testemunhas tampouco puderam ser eliminadas. Quanto mais fortemente eram pressionadas, tanto mais compactas ficavam, tornando-se duras como o diamante, em sua resistência. Hitler as lançou numa batalha escatológica, e elas mantiveram a fé. Com seu triângulo roxo (identificação no uniforme de prisioneiro), formaram fortes redes [de resistência] nos campos; sua experiência constitui valioso material para todos que estudam a sobrevivência sob extremo stress”.
Por que as TJ foram tão perseguidas mesmo sendo um pequeno grupo de apenas 20 mil pessoas, numa Alemanha que possuía milhões de habitantes? Por que um grupo aparentemente inexpressivo causou tanta pressão por um regime supostamente consensual em toda a nação alemã?
As razões são várias, mas três delas se destacam.
Primeiro, as Testemunhas de Jeová se recusaram a fazer a saudação Heil Hitler. Isto porque elas atribuem a sua salvação a Deus e dedicaram a sua vida somente a Ele. Tal crença baseia-se no Salmo 83:18 que afirma: “Somente tu [Jeová] és o Altíssimo sobre a Terra”. Fazer o gesto com a mão e gritar “Heil Hitler” implicava dizer que a salvação viria por meio de Hitler, não por meio de Jeová [Deus] e de Jesus.
Segundo, as Testemunhas entendem que, embora os governos humanos mereçam respeito e honra como autoridades constituídas, elas obedecem a Deus antes que aos homens, segundo o ensino da Bíblia em Atos 5:29,40-42. Quando os governos ordenam às TJ a desrespeitar os princípios da Bíblia elas prontamente se recusam, mesmo que isso implique na perda do emprego, da liberdade e mesmo da vida.O Estado nazista ordenou as TJ a pegar em armas, aderir ao Partido Nazista e idolatrar a pessoa de Hitler e elas corajosamente recusaram, preferindo continuarem íntegras a Deus.
Terceiro, mesmo com a decretação da pena de morte pelo Estado nazista a todo aquele que se recusassem acatar certas ordens (tanto a morte lenta nos horrores diários das prisões como na morte imediata por fuzilamento  ou gás venenoso nas câmeras mortíferas dos campos de concentração)  as Testemunhas, mantiveram-se firmes, pois têm inabalável confiança na capacidade de Deus de devolver-lhes a vida por meio da ressurreição, segundo  o livro bíblico de João 5:28,29.
De 1919 a 1933, as TJ distribuíram em média oito livros, folhetos e revistas a cada uma das cercas de 15 milhões de famílias na Alemanha.
A revista A Idade de Ouro, depois Consolação, muitas vezes chamou a atenção ao ressurgimento do forte militarismo na Alemanha. Em 1929, mais de três anos antes de Hitler chegar ao poder, a edição em alemão de A Idade de Ouro (atual Despertai) destemidamente declarou: “O Nacional-Socialismo é um movimento diretamente a serviço do inimigo do homem, o Diabo”. A Sentinela de 1º de novembro de 1933 (em inglês) trazia o artigo “Não os temais”. Foi escrito especialmente para as TJ alemãs, exortando-as a terem coragem em fase de crescente pressão.
Em 09 de fevereiro de 1934, J.F. Rutherford, presidente da Sociedade Torre de Vigia (entidade jurídica que representa as TJ) enviou uma carta de protesto a Hitler exigindo que o governo alemão desse liberdade às TJ para  reunir-se pacificamente  para a adorar a Deus sem barreiras. Rutherford deu o prazo até 24 de março de 1934 para Hitler atender esse pedido; se não houvesse resposta favorável, as TJ divulgariam os fatos sobre a perseguiçãoem toda a Alemanha.
Por não haver qualquer resposta positiva em 7 de outubro de 1934  as TJ de cinquenta países enviaram um telegrama para Hitler dizendo em outras coisas “Refreie-se de continuar perseguindo as TJ ; de outra forma, Deus o destruirá, bem como a seu partido nacional”. Os nazistas ficaram furiosos e enviaram muitas TJ para os campos de concentração. Hitler chegou a dizer que “exterminaria essa raça (as TJ) da Alemanha”. A partir dali as TJ passaram a expor as atrocidades nazistas, não somente na Alemanha, mas em toda a Terra.

TJ presas em um campo de concentração nazista. Foto: Domínio Público

Em 1935, A Idade de Ouro expôs os métodos de tortura inquisitoriais do regime nazista e o seu implacável sistema de espionagem, perseguição e aprisionamento. Em dezembro de 1936, promoveram uma campanha de distribuição rápida e subterrânea de uma resolução de protesto contra a perseguição às TJ. Em 20 de junho de 1937, as TJ que ainda não tinham sido presas distribuíram uma mensagem dando nomes das autoridades, datas e lugares que praticavam perseguições. A Gestapo (polícia secreta do regime nazista) ficou estarrecida com essa exposição e pela capacidade organizativa das TJ em realizá-la.
Outras publicações de alerta contra o regime Nacional-Socialista entre 1937 e 1938 foram as seguintes: Encare os Fatos, que acusava os regimes totalitários como pretensos substitutos do Reino de Deus; Aviso! Que alertava que os fascistas e nazistas acabariam com toda a liberdade humana e revitalizariam a antiga Inquisição; Fascismo ou Liberdade. Defendia que a subida do Nazismo ao poder era obra do Diabo, sendo Hitler um homem demente, cruel, maligno e implacável. Consolação (revista, várias edições) Denunciava que haviam sinistras  experiências com gás venenoso, para assassinar prisioneiros no campo de concentração de Dachau. Além de existirem mais de vinte campos onde as condições eram indescritivelmente desumanas, que grupos inteiros de judeus, ciganos, poloneses, gregos, sérvios e outros, estavam sendo exterminados sistematicamente; Cruzada contra o Cristianismo, documentava, em pormenores, os perversos campos de concentração, incluindo desenhos detalhados dos campos de Sachsenhausen e Esterwegen.
Semelhante aos primeiros cristãos que, pela fé e amor a Deus e a Cristo, sobreviveram à opressão e às mortes nas arenas romanas. As TJ, que se esforçam em imitar os primeiros cristãos nos tempos modernos, também foram vitimas de regimes opressivos e cruéis que tentaram (e ainda  tentam ) quebrar a integridade delas a Deus. Assim como os opressores romanos do passado perderam a batalha contra os cristãos que se mantiveram firmes e íntegros mesmo na morte.
O regime Nacional Socialista também perdeu sua batalha contra as TJ, pois seu governo e partido totalitários foram destruídos após a SGM e seu “deus” Hitler suicidou-se e depois foi queimado na própria capital do império nazista, Berlim. Em 1946, após a guerra, as TJ da Alemanha realizaram um grande congresso em Nuremberg no mesmo estádio onde Hitler proferia seus discursos e exibia suas espetaculares demonstrações de poder.
No mesmo dia em que foram anunciadas as sentenças por crimes de guerras dos comandantes nazistas. Na ocasião disse o presidente do congresso: “Só o fato de poder presenciar este dia, que é apenas um antegosto do triunfo do povo de Deus sobre seus inimigos na batalha do Armagedom, valeu a pena eu ter passado nove anos nos campos de concentração”.
            Que fatos como os relatados acima, sejam lembrados sempre por toda a humanidade, para que crueldades tamanhas sofram o repúdio das atuais e futuras gerações.
Bem aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. (Matheus 5: 9)

Placa memorial as TJ que sofreram o terror no Campo de Concentração de Mauthausen - Áustria.

2 comentários:

  1. PARABENS PELA POSTAGEMMM MUITO BEM EXPLICADA

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  2. Obrigada por usar minha foto na matéria e colocar créditos! Fiquei tão feliz com isso! Muito obrigada!

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